About the Book
Escrever sobre Nietzsche é uma temeridade audaciosa, especular seu pensamento dialético cortante, de dimensão ciclópica que examina a nudez até do nada, exige independência de espírito e intelecto vigoroso. Pois mergulhar no caos absurdo dos dogmas e romper sagrados tabus milenares, não é tarefa para fracos genuflexos rezadores. A essência da sua filosofia reflete o silogismo da fé raciocinada. Nele não há medo, nenhum receio devoto de ofender os deuses de fogo ou de pedra, nenhum temor beato de passar por cima de preconceitos místicos superados e exigir, fora da superstição e da idolatria hipócrita, a análise reveladora da verdadeira exegética religiosa. O maniqueísmo estereotipado pequeno-burguês que separa Deus do homem, céu, do inferno; o certo, do errado, é tolo, insensato. Porque tudo se sustenta pelos opostos: da inconstância brota o que é firme como uma rocha, do sonho nasce a realidade (o avião é prova). O que torna impossível a separação definitiva em compartimentos, lacunas estanques. A metáfora do tabuleiro de xadrez ilustra bem a questão. Pois o ritmo do universo ondula na curvatura relativa da luz cintilante na noite eterna. A dualidade comanda os ciclos da vida; como no pêndulo, do bem para o mal, alterna razão apolínea; ora, impulsividade dionisíaca. Que movimento pode ser dínamo absoluto? A energia cósmica é sinuosa como uma cobra, este símbolo da medicina, a contradição do veneno no antídoto, o paradoxo do demônio no anjo, a discrepância do homem comum diante do Super-homem. Por isso, a luta, o embate de contrários, é a virtude máxima. E bom ideal lícito é aquilo que triunfa, atravessa abismos, vence a obscuridade do mito da caverna, supera os piores pesadelos do apego animal, anula, com a determinação da vontade própria autêntica, os instintos inerentes ao rebanho humano medíocre. Enquanto mau, detestável, repulsivo é aquilo que cede pusilânime e fracassa. É o que Evan do Carmo preconiza no seu livro, nesse formidável Elogio à Loucura de Nietzsche. Incorpora as teses controversas do grande filósofo germânico e as repassa para o leitor direto de Zaratustra em tom de conversa cativante. O livro é uma versão livre, com elementos literários, do perfil filosófico de Zaratustra, suas andanças e falas de sabedoria, sua busca da epifania verdadeira. A linguagem apresenta traços estilísticos reveladores das várias leituras do autor, Evan do Carmo, um erudito poeta discípulo de Nietzsche. Que consegue atrelar com bastante engenhosidade sua visão de mundo aos ensinamentos hauridos na doutrina da Gaia Ciência. O resultado é uma série de relatos curiosos, um tanto alegóricos das aventuras do seu Zaratustra por um mundo insólito pleno de montanhas mágicas e desafios cabalísticos. A obra apresenta conteúdo eclético: alusões à Bíblia, referências aos grandes autores universais (Homero, Virgílio, Dante, Milton e Camões) conhecimento freudiano da psicologia moderna, e o forte enérgico pensamento mítico do Super-Homem de Nietzsche. Por isso, não se constitui leitura fácil e fluente, exige inteligência lúcida, perspicaz, arguta. Pois a complexidade eloquente de Nietzsche, às vezes, confunde e desorienta. Sua brilhante loucura de gênio iluminado seduz e arrebata, de tão estranha e inquietante. Cuidado! É perigoso qualquer contato com tal gnose. Elogio à loucura de Nietzsche sincretiza Erasmo de Roterdã, Spinoza, Schopenhauer, como citações obrigatórias à compreensão ideal de Zaratustra. Assim, Evan do Carmo oferece ao leitor um roteiro sinuoso, mas empolgante para entender a essência arquetípica do filósofo que concebeu o mito do Super-Homem. Leitura oportuna e necessária, a obra agrada, provoca, exige apuradas reflexões, misto de literatura e ensaio filosófico, não pode ser lida superficialmente, merece exame profundo da sua mensagem questionadora das contradições éticas e morais da humanidade.