Este livro contém poesias confeccionadas ao longo de mais de 30 anos. Não foi fácil selecionar, como não foi fácil encontrar relações entre elas, apesar de vários aspectos estéticos e temáticos ainda persistirem na minha relação com a expressão poética. Por isso, às vezes há repetições figurativas, semelhanças temáticas, recursões imagéticas. Um dos objetivos dos processos de seleção adotados foi exatamente evitar que estas recorrências tornassem a leitura monótona ou pouco atraente.
Em alguns casos eu cedi à tentação de modificar poemas antigos, o que torna o processo criativo mais dinâmica no tempo, sempre passível de atualização. Eu preservo, para meu próprio delírio, as versões originais dos poemas que foram modificados. Isto não significa que elas são melhores ou piores em algum sentido do que as versões aqui publicadas, mas eu sinto-me neste momento mais contemplado desta forma.
Os poemas foram organizados em cinco blocos: Infância, Urbis Nefasta, Recife, Abstração e Fragmentos. Infância reúne trabalhos relacionados tanto às emoções da minha infância, quanto às emoções da tragédia da miséria e violência nas vidas de crianças. Urbis Nefasta apresenta uma coleção de poemas cujos centros estéticos e perturbadores situam-se na vida social e urbana e seus incômodos processos de (des)orientação dos afetos e das emoções. Recife foi constituído como um bloco separado de Urbis Nefasta por ser o polo geográfico (nevrálgico) de onde a maioria dos poemas emanaram, mas onde aloquei somente poemas sobre a cidade e algumas pessoas que marcaram e ainda marcam minha experiência existencial nesta cidade. Em algumas situações mais radicais, não encontrando uma forma menos abstrata de expressão, optei por uma (quase) completa destituição do conteúdo lógico de alguns versos em prol de uma estética e ritmos mais adaptados ao fluxo de emoções que não podia mais ser contido. Estes versos estão organizados em Abstração. O último bloco é constituído pelos poemas que eu tive mais dificuldade em compartilhar, porque expressam os meus sentimentos mais radicais em relação à vida fragmentária e fragmentada que desloca todos os aspectos mais relevantes à alegria de viver para relações fetichistas com os objetos nas cidades, com sua geometria, com os objetos de consumo e com as próprias pessoas. Ainda, permeiam estes poemas a confusão de afetos e objetos escondida sob uma (des)figuração ou necessidade de mostrar desempenho como a qualidade mais importante e neurótica dos indivíduos dessa nossa dissociativa sociedade.
Daí um pouco a razão do título do livro: observo, nas cidades, um fluxo de pessoas, objetos, utopias e universos, que corresponde frequentemente à consequências caóticas, insatisfatórias, genocidas, suicidas. A poesia permite conversar sobre estas coisas, produzindo compreensões além dos significados das emoções e dos objetos. Não há, aqui, razões ou soluções para estes dilemas, isto é somente um livro de poesias. A única realidade é a matéria da que foi feito: radicalidade e sinceridade.